Seguro rural é o principal instrumento de gestão de risco na agricultura, mas ainda requer mudanças
Como acertar de vez o principal instrumento de gestão de risco para as lavouras do País.
Alysson Paolinelli completou 80 anos em julho. O capítulo mais conhecido na biografia do agrônomo mineiro de Bambuí foram os cinco anos em que ele ocupou o Ministério da Agricultura, no governo de Ernesto Geisel, entre 1974 e 1979. Paolinelli também é reconhecido como o agrônomo que viabilizou a agricultura tropical, ao tirar do papel a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e transformá-la em uma das instituições mais respeitadas no mundo. A trajetória de Paolinelli, porém, não parou por aí. Ele também foi deputado federal constituinte, quando ajudou a redigir o Artigo 187 da Carta Magna publicada em 1988. Ao regular e definir as atribuições da atividade rural, esse artigo equiparou o marco legal brasileiro ao dos demais países. “Garantir alimento é uma questão de segurança nacional”, diz ele. No entanto, Paolinelli ainda quer mais. O seguro rural, assunto tratado no quinto inciso do artigo, ainda patina. Ainda são poucos os produtores brasileiros que contratam seguros, ao contrário dos Estados Unidos, onde 90% possuem algum tipo de apólice. “Isso acontece porque não conseguimos dar um modelo adequado ao País”, afirma Paolinelli. “Não vivi esse momento, se conseguirmos agora será uma felicidade.”
Desde maio, um movimento vem se estruturando para desatar esse nó. A iniciativa é liderada por gente de peso, como o Ministro da Agricultura, Blairo Maggi, que formou um grupo de estudos para analisar o seguro rural e propor mudanças. Também participa a Federação Nacional de Seguros Gerais (FenSeg), com sede no Rio de Janeiro. A FenSeg representa o mercado segurador. No ano passado, sem contar previdência privada, planos de saúde e títulos de capitalização, o setor de seguros faturou R$ 68,7 bilhões. Desse total, a fatia dos seguros rurais foi de R$ 3,27 bilhões, ou 4,8% do total. “O seguro precisa entrar na gestão financeira das propriedades, para garantir estabilidade ao negócio”, afirma Wady Cury, presidente da Comissão de Seguro Rural da FenSeg. “Mas, para que ele funcione, o produtor precisa de um seguro simples e que atenda às suas necessidades”. Cury diz que o empresário do campo conseguiu, nas últimas décadas, estabelecer nas propriedades uma ótima gestão de custo, mas não faz gestão de risco, ou seja, não coloca o seguro rural nas suas prioridades.
Segundo dados do Banco Central, a dívida atual dos produtores rurais é de cerca de R$ 290 bilhões. Isso tem levado muitos deles a planejar a safra 2016/2017 visando apenas pagar dívidas. Os efeitos da estiagem foram devastadores para a safra passada. Os agricultores deixaram de cultivar 400 mil hectares, além de colher 21 milhões de toneladas a menos de grãos, principalmente de milho e soja. Também houve perdas no café, trigo e cacau. O seguro, que poderia ter amenizado o impacto financeiro dessas perdas, foi menos usado. Nas safras de 2013/2014 e 2014/2015, os produtores seguraram cerca de 15% das áreas, algo em torno de nove milhões de hectares. Essa cobertura caiu abruptamente em mais de dois terços em 2015/2016, recuando para cerca de 2,9 milhões de hectares dos cerca de 68,5 milhões de hectares cultivados. “Essa realidade instável precisa mudar”, afirma Paolinelli, hoje presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Milho (Abramilho).
Há três meses, ele vinha coordenando um estudo sobre o seguro rural, que não chegou a ser apresentado ao ministro Blairo Maggi. “Esperamos que nos próximos meses um plano de governo esteja pronto para reorganizar o setor de seguro rural no País”, afirma ele. O principal ponto da proposta do grupo de trabalho era tornar esse seguro mais acessível aos produtores, estabelecendo um fundo para subvencionar a contratação das apólices. Atualmente, parte desse custo é pago com recursos públicos. Dependendo da cultura, a subvenção do governo federal vai de 35% a um máximo de 55% do gasto. Pela proposta, o fundo terá recursos também do setor privado, especialmente das empresas de insumos. Além disso, para garantir que os recursos não fossem usados para outras atividades, o fundo seria gerido por um comitê no qual as empresas participariam ativamente. Mas elas não aceitaram a proposta. Na prática, os fornecedores já incluem riscos de perda na hora de calcular seus preços. “O risco dessas empresas no Brasil custa uma fábula”, diz Paolinelli. Segundo ele, fornecedoras de agroquímicos, adubos, máquinas e tradings injetam uma gordura de até 4% em seus preços para cobrir eventuais calotes. Ele estima que o total reservado para compensar esses problemas chega a R$ 12 bilhões por safra. “É preciso pegar esse dinheiro e devolver ao produtor, através da subvenção ao seguro rural.”
Modelo: para Cury, da Fenseg, o seguro rural precisa de um modelo simples, adequando às necessidades do produtor rural.
Para Vitor Osaki, diretor do Departamento de Gestão de Risco e Recursos Econômicos da Secretaria de Políticas Agrícolas do Mapa, o governo quer arrumar a casa, mas há muitas dificuldades pela frente. “A subvenção ao seguro ainda é uma ferramenta muito nova no Brasil e cuida de uma indústria a céu aberto”, diz Osaki. De acordo com o executivo, o governo trabalha com três metas: reduzir o custo do seguro ao produtor, expandir a área agrícola coberta e aumentar o número de beneficiários dentro do Programa de Subvenção ao Prêmio do Seguro Rural (PSR). Criado em 2005 para reduzir o custo do seguro ao produtor, o PSR ainda não conseguiu cumprir seu papel. De acordo com Cury, da FenSeg, o seguro não emplacou por ser burocrático e por pesar muito no bolso do produtor. Contratar uma apólice pode representar até 10% do custo de uma lavoura, taxa considerada altíssima pelo setor. Isso porque o governo não sinaliza uma política clara de subvenção, deixando o mercado à deriva. No ano de 2014, por exemplo, o total de prêmios foi de R$ 2,89 bilhões, dos quais R$ 1,2 bilhão subvencionados por recursos públicos. Embora o País possua cerca de cinco milhões de propriedades rurais, esta foi a maior quantia aplicada ao setor desde 2005. O valor das lavouras seguradas chegou a R$ 18,6 bilhões, em 9,9 milhões de hectares. “No entanto, no ano passado, quando a estiagem no Matopiba e no Centro-Oeste, mais as chuvas no Sul, afetaram boa parte das lavouras, o seguro não funcionou”, diz Cury.
Considerando-se apenas a proteção para a safra, em 2015, o governo colocou na subvenção ao seguro R$ 282 milhões, de um total de R$ 471 milhões pagos pelos produtores para a contratação de seguros. Participaram desse mercado somente 27,7 mil produtores, para uma área coberta de 2,8 milhões de hectares no valor de R$ 5,5 bilhões, um terço da área de 2013/2014. Para 2016/2017, a expectativa é que o governo libere R$ 400 milhões em subvenção. “Mas nada garante que haverá mais verba para 2017/2018”, diz Osaki, do Mapa. A expectativa de recomposição, subindo pelo menos para R$ 450 milhões, está descartada por enquanto.
Modelo: Osaki diz que o PSR tem três grandes desafios pela frente. O primeiro é operacional, porque há um descasamento entre a sua contratação nas operadoras e a efetivação da apólice junto ao governo. “Uma apólice pode ser contratada em junho e a resposta chegar em agosto”, afirma. O segundo é estimar a demanda pelo seguro, isso porque até agora ela foi feita com base nas contratações passadas. “Essa é a pior fragilidade do PSR, porque não há como mensurar a demanda do produtor”, afirma ele. O terceiro desafio é integrar o PSR com o Programa de Garantia da Atividade Agropecuária (Proagro), criado na década de 1970 por Paolinelli, para monitorar as perdas dos produtores, e que depois tornou-se um canal para socorrer o pequeno produtor. “Há uma sobreposição dos dois sistemas, eles não se conversam, e com isso fica difícil criar uma política nacional de gestão de risco”, diz Osaki.
Experiência: Loyola, da Faep, afirma que no Paraná o principal instrumento de mudança foi a informação.
Pedro Loyola, economista da Federação da Agricultura do Estado do Paraná (Faep), diz que o principal instrumento de mudança em seu Estado foi a informação. O Paraná é onde mais se contrata seguro rural no País. Entre 2006 e 2015, o PSR beneficiou 126,4 mil produtores, 30% do total, seguido por Rio Grande do Sul com 22% e São Paulo, com 14%. O destaque é a soja, com 35% de lavouras seguradas, seguida pelo trigo, com 12%. “A Faep realizou um amplo trabalho de esclarecimento em seus 184 sindicatos. Não é fácil mostrar ao produtor os riscos de uma lavoura descoberta e que, sem o seguro, ele entra em um círculo vicioso“, diz Loyola. Sem seguro, explica, parte da produção é perdida. Isso impede o produtor de honrar os financiamentos, reduzindo seu acesso a crédito. Isso leva a uma redução no uso da tecnologia, acentuando as perdas na produção. “A cada ponto percentual de Produto Interno Bruto Agrícola perdido são R$ 11 bilhões a menos por safra”, diz Loyola. Um novo seguro rural, diz ele, deve cobrir o custeio da produção e a renda perdida pelo produtor.
Paolinelli tem afirmado que, neste momento, o governo precisa dizer quanto dinheiro há para o seguro rural. “Além disso, as seguradoras e as resseguradoras precisam ocupar o seu papel nesse arranjo”, diz ele. Cury concorda. “Há uma década dizíamos que o produtor não tinha a cultura do seguro, hoje digo que as seguradoras não têm a cultura do seguro rural”, afirma. “Precisamos avançar.” Atualmente, cerca de dez seguradoras oferecem produtos para o campo. Na média, elas protegem apenas 15% do risco da lavoura. Em países como a Espanha, por exemplo, as seguradoras ficam com até 25% do risco. “Está passando da hora de colocarmos o seguro rural nas mãos de quatro atores: o produtor e suas associações, as seguradoras e resseguradoras, as indústrias prestadoras de serviços e de crédito, além do governo”, afirma Paolinelli.
Para mais informações acesse: http://www.dinheirorural.com.br/sera-que-o-ca-mpo-vai-segurar-producao-rural/