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[Artigo] Fundo de Catástrofe: Uma lei “que não pegou”, mas devemos mudar

Há 12 anos, no final de agosto de 2012, entrou em vigor a Lei complementar nº137/2010. O objetivo da lei é, em linhas gerais, uma vez que ainda está em vigor, a formação de um fundo para cobrir de forma suplementar os riscos do seguro rural.

Tal fundo é conhecido na indústria de seguros como Fundo de Catástrofe. Tais fundos há muito são conhecidos dos seguradores e resseguradores e já são realidade em vários países.


Tais fundos, em linhas gerais, permitem que seguradores e resseguradores comprem algum tipo de proteção e evitem que exposição deles seja infinita.


Há fundos para riscos rurais, riscos políticos, riscos de créditos e mais frequentes para eventos naturais extremos, como terremotos, furacões, erupções vulcânicas e inundações.


Tais fundos têm diversas formas de constituição e participação, mas é muito frequente a contribuição de governos e iniciativa privada para os fundos. O governo contribui como forma de custear ou subsidiar a proteção para determinados riscos.


É certo que a alocação de recursos nesses fundos é mais eficiente que uma indenização direta feita pelos governos, pois, até certo ponto, tais indenizações são dependentes de disponibilidades orçamentárias e alocações políticas.


Feita essa breve apresentação, necessário pontuar também que a discussão desse fundo se deu durante uma época em que se cobrava muito que o programa de subvenção do seguro rural – PSR - passasse a ter perenidade e previsibilidade. As seguradoras demandavam frequentemente que os recursos para o PSR fossem de fato repassados como aprovados e no prazo esperado. Nesse contexto, foi aprovado o Fundo De Catástrofe, que, de certa forma, foi um movimento para demonstrar um comprometimento com a gestão de riscos do setor rural de forma perene e previsível.


Ocorre que de fato nada aconteceu desde então. Em um ano de eleição foi aprovada uma lei que trouxe esperança para o setor, mas nada aconteceu nos últimos 12 anos.


E nada aconteceu em parte pela nossa cultura de não exigir do poder público que cumpra com suas obrigações e pela parcial comodidade que o programa de subsídio – PSR – deu para produtores e (re)seguradores.


Longe de ser algo ideal, o PSR fez com que o mercado se adaptasse a ele, colocando foco na sua expansão e deixando de lado a discussão de um programa de proteção a catástrofe.


Houve quem dissesse que um dos efeitos colaterais do fundo de catástrofe seria que a implementação do fundo poderia incrementar o número de seguradores pouco vocacionados para o seguro rural, reduzindo margens do setor, com precificações menos técnicas e aceitações menos criteriosas, comprometendo no limite até a função do fundo.


Seja quais tenham sido os motivos, inércia, temor de concorrência, falta de vontade política, o certo é que a safra 2021-2022 foi impactada de forma catastrófica e o mercado foi pego sem a proteção de catástrofe.


A sinistralidade das seguradoras em sua grande maioria foi superior a 300%. A conta também chegou para os resseguradores que também enfrentam perdas nas mesmas proporções que seus ressegurados.


E os próximos efeitos já são conhecidos: diminuição de capacidade de resseguro, aumento de taxas e redução de coberturas. Efeitos que colocam em pauta temores sobre a perenidade e previsibilidade do seguro.


Já foi noticiado que faltará seguro rural para a safra desse ano.


A inércia ocorrida terá uma repercussão para os produtores rurais que terão que enfrentar um mercado mais restritivo para a transferência de riscos e, no limite, para a sociedade, que, como de costume, no médio e longo prazo terá que subsidiar as perdas da atividade rural, por meio de financiamento a juros subsidiados, alongamento de prazos e perdão de dívidas, para aqueles produtores que não tiverem acesso ao seguro rural.


O ano de 2022 será um ano emblemático para avaliarmos o funcionamento dos fundos de catástrofe. Infelizmente devido ao clima, no ano de 2022 poderemos avaliar o resultado dos programas do hemisfério sul, computados no primeiro trimestre de 2022, e do hemisfério norte, que será apurado no último trimestre do ano, que foram impactos da mesma forma por uma seca histórica.


Sem medo de errar, arriscamos dizer que será muito mais tranquilo para aqueles mercados que já contam com fundos de catástrofe em comparação com o mercado brasileiro.


Contudo, ainda que dados objetivos para efeitos de comparação não estejam disponíveis, podemos avaliar, no mercado brasileiro, como teria sido o impacto em 2022 se nesses 12 anos que se passaram o fundo já estivesse em funcionamento.


As notícias divulgadas pelo MAPA e pela Susep indicam, grosso modo, 7 Bilhões de reais em sinistros pagos e uma sinistralidade de cerca de 350%. Tais números representam que foram arrecadados 2 bilhões de reais em prêmios e pagos 7 bilhões em sinistros, o que, grosso modo novamente, indica um déficit de 5 bilhões de reais. Se o fundo estivesse em pleno funcionamento, o aporte do governo seria de no mínimo 2 bilhões e no máximo 4, conforme a lei. Se tivesse ocorrido o aporte mínimo do governo, o aporte das seguradoras e das resseguradoras também poderia ter sido na mesma ordem de grandeza e teríamos tido 4 bilhões aportados que, corrigidos ao longo desses 12 anos, certamente ultrapassariam a 5 bilhões de reais. Assim podemos concluir que se o fundo de catástrofe estivesse ativo, o impacto financeiro nos seguradores e resseguradores seria muito menor e as consequências que estão sendo vivenciadas não estariam ocorrendo.


Feita essa simples avaliação, não podemos deixar de comentar que causa, digamos, curiosidade, o fato de que mesmo com o ocorrido não se fala em colocar o fundo de catástrofe em operação. O mapa continua falando em aumentar o subsídio ao PSR e silencia sobre o Fundo de catástrofe. O mesmo ocorre com as entidades de classe dos tomadores de risco, a exemplo da CNseg e da FENABER. A CNA de forma tímida lembra que é preciso regulamentar a Lei. Nº 137/2010.


2022 foi mais um ano no qual podemos colocar a Lei nº 137/2010 na categoria das leis que não pegam. Quem sabe em 2023, com a experiência de 2022, coloquemos de forma séria e urgente a discussão e a regulamentação da lei, para de fato termos o fundo de catástrofe operacional.


Uma sugestão é que a Agência Brasileira Gestora de Fundos Garantidores e Garantias (ABGF) quem hoje administra o Fundo de Estabilidade do Seguro Rural (FESR), dentro da sua Missão de “Contribuir para a execução das políticas públicas relativas à administração de fundos e operacionalização de garantias prestadas com recursos da União”, outro ente que até onde se sabe nunca se manifestou sobre o tema, contribua especificamente para o projeto.


É natural acreditar que a ABGF seja a primeira opção para ser administradora desse fundo, ainda que alterações legislativas tenham que ser feitas, para excluir a necessidade de uma pessoa jurídica criada para esse fim específico, nos termos da lei. Assim, sendo em tese o ente mais vocacionado para administrar esse fundo, ninguém melhor que a ABGF para apresentar um projeto construído em conjunto com os segurados e tomadores de risco. Inclusive viabilizar essa gestão pode melhorar as condições para a privatização da ABGF.


Finalizando, podemos concluir que é urgentíssima a operacionalização do Fundo de catástrofe para a otimização dos recursos públicos alocados para a gestão dos riscos rurais com a consequente melhoria do ambiente de transferência de riscos, dando perenidade e previsibilidade ao seguro rural como há tanto tempo se tem demandado e a ABGF pode encabeçar essa transformação com o apoio de todos os atores envolvidos com o seguro rural.


Mauricio Conde, advogado, especialista em direito securitário, sócio da MCLR advogados.

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